
A Confederação Nacional dos Municípios (CNM) já prepara a sua tradicional “Marcha a Brasília em Defesa dos Municípios”, nos dias 10, 11 e 12 de maio. Entre os assuntos destacados neste ano estão a isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), o aumento do repasse do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), a derrubada do veto do ex-presidente Lula ao projeto de lei que propunha melhor distribuição dos royalties do Petróleo; a atualização da Lei nº. 8.666 (Lei de Licitações); e o antigo pedido da CNM de regulamentação do projeto da Emenda 29 (de repasse de recursos para a saúde).
Mas sem sombra de dúvidas a grande “vedete” na estreia da presidente Dilma Rousseff na reunião com mais de cinco mil prefeitos que irão se aglomerar no auditório do hotel às margens do Lago Paranoá - onde é sempre realizado o evento – será a discussão sobre o aumento nas despesas dos municípios perante a aprovação de leis recentes que ajustaram salários e benefícios para servidores, mas que geraram enormes gastos com custeios e investimentos para as prefeituras.
Muitos prefeitos ainda nem se deram conta deste impacto na folha de pagamento e de sua repercussão no fechamento do balanço de receitas e despesas. Mas foi o próprio presidente da CNM quem deu o alerta: “Isso vai provocar uma quebradeira geral nas prefeituras”, afirmou Paulo Ziulkoski. Ele adiantou que a XIV Marcha a Brasília vai ser palco para reclamar do excesso de encargos.
“É um equívoco aprovarem pisos padronizados para diferentes regiões. É claro que a fórmula de cálculo que utilizam para o Sul não pode ser a mesma para a região Norte”, advertiu o presidente da Federação das Associações dos Municípios do Estado do Pará (Famep), Helder Barbalho.
Ele adiantou que na próxima terça, 26, o Conselho de Representantes Regionais da Confederação Nacional de Municípios fará uma reunião para consolidar a pauta da Marcha. “Este será um dos temas debatidos. Precisamos avançar na questão do aumento do repasse do Fundo de Participação dos Municípios. No ano passado conseguimos com o Governo Lula mais 1% da fatia do bolo. Mas acredito que podemos ampliar com o governo da presidenta Dilma”, enfatizou o prefeito de Ananindeua.
CNM: 12% já descumprem Lei de Responsabilidade Fiscal
De acordo com a CNM, entre as propostas transformadas em leis que já estão gerando gastos com custeio e investimentos obrigatórios para os municípios está o reajuste do salário mínimo, que passou de R$ 510 para R$ 545 desde o dia 1º de janeiro. Os dados da Confederação mostram que pelo menos 650 prefeituras, ou 12% dos 5.564 municípios brasileiros, já comunicaram que não têm mais como cumprir as determinações da Lei de Responsabilidade Fiscal, que limita a folha de pagamento de salários a 60% da receita corrente líquida.
Ainda de acordo com os dados da CNM, os novos encargos somados que podem prejudicar as administrações municipais em todo o país representam um aumento global previsto nas despesas de R$ 75,3 bilhões anuais para uma receita de cerca de R$ 53 bilhões do FPM (Fundo de Participação dos Municípios).
Outra decisão aprovada que vai refletir diretamente na receita dos municípios, segundo Paulo Ziulkoski, foi a ratificação pelo Supremo Tribunal Federal do piso salarial dos professores previsto pela Lei 11.738/2008. O presidente da CNM informou que o impacto poderá ser de um gasto extra de R$ 2,3 bilhões a R$ 3 bilhões para os municípios.
“Prevejo que a educação brasileira vai piorar nas próximas duas décadas, porque todo o dinheiro do Fundeb (Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica) terá de ser desviado para o pagamento dos professores”, disse o presidente da CNM.
Hoje, o dinheiro do Fundeb destina-se - quando não usado para pagar salários - a melhorias nas instalações, transporte e compra de material. O STF ainda vai decidir se o pagamento do piso será retroativo a 2009. Se essa decisão for tomada, os gastos imediatos pularão para R$ 9 bilhões, segundo avaliação da CNM.
“O piso salarial dos professores de Ananindeua sempre foi maior que o piso nacional. Esta é uma decisão que não afeta diretamente ao município. Mas já prevejo que estamos caminhando para o cenário em que as prefeituras serão meras agentes pagadoras, comprometendo totalmente o papel de viabilizador de políticas públicas para o qual o prefeito foi eleito”, advertiu o presidente da Famep e prefeito de Ananindeua, Helder Barbalho.
SISTEMA DE SAÚDE
Ainda de acordo com a CNM, existem outros projetos em analise no Congresso Nacional que se forem aprovados também vão contribuir para impactar de forma negativa nas receitas municipais. A maior parte deles é ligada ao sistema de saúde, como a Emenda Constitucional que cria o piso salarial de dos agentes de saúde, que deve elevar as despesas anuais das prefeituras em mais de R$ 3 bilhões. A União é responsável por metade do salário dos agentes e às prefeituras cabe a outra parte do salário, o pagamento integral do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e todos os encargos trabalhistas.
Os projetos de lei que pretendem acrescentar um dentista e um fisioterapeuta à equipe dos médicos da família, hoje batizada de Estratégia Saúde da Família, são também destacados pelo presidente da Confederação. De acordo com a CNM, existem hoje 33 mil equipes, com um médico, um enfermeiro e um auxiliar. Cada equipe custa R$ 40 mil mensais. A União repassa aos Municípios R$ 9 mil para a ajuda no custeio e a prefeitura arca com a diferença de R$ 31 mil.
Fim dos restos a pagar piora quadro
Outro embate com o governo federal que está deixando os prefeitos com os cabelos em pé é o decreto que cancela os chamados restos a pagar, que são pagamentos autorizados pelo governo mas não liberados. Em dezembro do ano passado, o ex-presidente Lula assinou decreto Nº 7418/2010 que prevê o cancelamento de todos esses pagamentos a partir do dia 30 de abril, o que gerou protestos de prefeitos de todo o país e de parlamentares. A decisão atinge principalmente emendas parlamentares ao Orçamento empenhadas naqueles anos, mas que ainda não saíram do papel.
A prática de deixar pagamentos em aberto de um ano para outro tem gerado atrito entre o governo federal e prefeituras, pois a maioria dos recursos que deixaram de ser liberados estava inscrita em emendas parlamentares destinadas a municípios. Segundo o Governo Federal há um acúmulo de verbas empenhadas e não pagas, que entre 2007 e 2010 totalizaram R$ 17,5 bilhões.
Tanto o Ministério do Planejamento quanto a Casa Civil já prometeram rever o decreto de cancelamento dos restos a pagar, mas até hoje não há nenhuma resposta. E os prefeitos estão ficando a cada dia mais aflitos. Somente para o Pará estim-se que serão cancelados mais de 4 mil convênios, totalizando cerca de R$ 200 milhões em emendas feitas pelos parlamentares e pela bancada federal.
“Este é um problema gravíssimo. É um ato que, se for consolidado significa um calote. Teremos inúmeras obras importantes paralisadas em todo o Estado, em todo o país. Os municípios estão asfixiados, não podemos comprometer mais ainda a população, a qualidade de vida das pessoas”, advertiu o presidente da Famep, Helder Barbalho.
“Se formos olhar na ponta do lápis, os pequenos municípios serão beneficiados no máximo com um milhão ou pouco mais que isso, o que é muito pouco para o governo federal, mas que significa muito para os municípios do interior do Pará e principalmente para a população”, alega o presidente da Associação dos Municípios do Araguaia e Tocantins (Amat), Luciano Guedes, prefeito de Pau D'Arco.
Mas o Governo Federal não faz a conta na ponta do lápis. Enxerga como um todo. E por isso a cifra de R$ 17,5 bilhões significa muito para manter o superavit primário em época de risco de inflação. Mas os prefeitos não desistem. Antes mesmo da XIV Marcha a Brasília eles vão se mobilizar na Capital Federal na próxima semana para tentar prorrogar o prazo de cancelamento dos restos a pagar para 30 de dezembro.
Os prefeitos argumentam que tem obras já começadas, licitadas e não iniciadas, e sem o repasse do dinheiro, tudo será prejudicado. Segundo os prefeitos há uma situação de pânico e incerteza com a possibilidade de suspensão desse pagamento. Ainda segundo os prefeitos que se organizam para estar em Brasília na próxima semana, a Caixa Econômica Federal é responsável pelos repasses e pela avaliação das obras. No entanto, a estatal não apresenta quadros suficientes para atender a todos os municípios, resultando, muitas vezes, no atraso das obras.
Luciano Guedes, assim como prefeitos de várias regiões do país, defende a tese de que a alternativa mais viável para o decreto seria cancelar os restos a pagar apenas de obras ainda não iniciadas ou licitadas. “São obras que atendem diretamente a sociedade, como obras de pavimentação, drenagem, construção de quadras de esporte , infraestrutura entre outros benefícios ”, argumenta o prefeito de Pau D’Arco.
A determinação do governo federal exclui as despesas do Ministério da Saúde e do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Somente os valores de restos a pagar do Ministério da Saúde e do PAC não correm o risco de cancelamento. Só em assistência farmacêutica há R$ 1 bilhão inscritos em restos a pagar - R$ 548 milhões constam como pendentes de pagamento. (Materia do Diário do Pará)